A jornalista e blogueira brasileira Juliana Dacoregio ficou conhecida entre muitos internautas através do blog ateu Heresia Loira, em que criticava denominações evangélicas e os princípios de fé cristãos.
Mesmo entre os que acompanharam Juliana durante o período que
publicava nesse blog, poucos conhecem a história de vida da catarinense
que se declarava ateia, mas que possuía uma forte ligação com o
cristianismo.
Juliana Dacoregio concedeu entrevista ao Gospel+ contando sobre sua história de conversão, afastamento e reencontro com a fé.
Na entrevista, a blogueira afirmou que o motivo que a fez perder a fé
e se afastar do cristianismo foram as “dúvidas a cerca do que é pregado
na Igreja e de interpretações bíblicas, desgaste de relacionamentos com
membros da congregação e minha eterna briga com a noção de inferno”.
Dacoregio, que além de blogueira e jornalista também atuou como
modelo fotográfico, conta que seu reencontro com a fé em Cristo
aconteceu de maneira gradual: “Fui perdendo a raiva e a crítica
excessiva contra o Evangelho e contra a fé. Espírito crítico é bom e
saudável, lógico. Mas pode chegar a um ponto em que passa a ser deboche,
cinismo, ódio mesmo”, explica.
O arrependimento por “ter criticado fortemente algumas pessoas” é
algo que Juliana Dacoregio destacou durante a entrevista, e afirmou que
muitas das críticas que havia escrito no antigo blog ateu foram
apagadas, mas que pretende, por enquanto, manter as publicações
restantes no ar: “Foi uma fase que me fez chegar até aqui e talvez se eu
não tivesse exposto aqueles pensamentos eu não teria encontrado tantas
pessoas que me ajudaram a voltar para o caminho”, explica.
Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida por Juliana Dacoregio ao Gospel+:
Juliana, muita gente a conhece pelo lado ateu, mas poucos
sabem a sua história com o cristianismo. Você pode nos contar um pouco
de como tudo isso começou?
As primeiras sementinhas do verdadeiro evangelho que foram
plantadas em meu coração surgiram em tenra idade. Eu era criança, bem
pequena, e tinha vizinhas evangélicas, da Assembleia de Deus. Elas
tinham mais ou menos a minha idade e brincávamos juntas. Como toda
menina, as brincadeiras de ‘escolinha’ eram constantes e entre essas
‘escolinhas’ estava também a brincadeira de ensinar a Bíblia, como nas
antigas Escolas Dominicais. Lembro que minha vizinha ‘crente’ me
emprestou uma Bíblia para Crianças, muito bonita, cheia de ilustrações,
capa dura… Fiquei com aquela Bíblia muito tempo e, como sempre gostei de
ler, eu a li e reli diversas vezes. Pode-se dizer que aí começou meu
conhecimento da Palavra! De vez em quando minha mãe também deixava que
eu fosse aos cultos com essas minhas amiguinhas evangélicas e sua
família. Era engraçado porque eles ainda frequentavam uma Assembleia de
Deus bastante rígida com costumes como o uso de saia e cabelos compridos
para as mulheres, mas lá ia eu com meu ‘conjuntinho’ de sainha baloné e
blusa estilo ciganinha, destoando totalmente das meninas de vestidos
longos e cheios de babados. rs Claro que nunca fui repreendida por isso,
afinal eu era apenas uma criança e participava apenas das atividades
infantis. Mas lembro de ter entrado no culto ‘dos adultos’ uma vez e
ficado bastante admirada com as orações em voz alta, pessoas de joelho,
choro… Eu não sabia, mas já estava presenciando o mover do Espírito
Santo.
Também na infância, eu conversava muito com minha avó materna
sobre Jesus e histórias da Bíblia. Ela me tranquilizava principalmente
com aquela palavra que diz que nem O Filho do Homem conhece a data do
fim dos tempos. Isso era algo que tirava meu sono, já que a década de 80
foi o boom das reportagens sobre buracos na camada de ozônio e matérias
sensacionalistas sobre asteróides, fim do mundo, etc. Mas não era
apenas sobre Apocalipse que eu debatia com minha avó. Falávamos muito
sobre Jesus e eu ia a missa com ela, em que eu gostava especialmente da
hora de recitar o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo…”, a
confissão de fé do “Creio em Deus Pai” e louvores como “Quão Grande és
Tu”.
Então, mesmo eu tendo nascido em um lar católico
não(muito)-praticante, as coisas de Deus já fizeram parte de minha vida
desde cedo (ao menos a teoria, ou seja, a Letra). Na adolescência
continuei visitando de vez em quando igrejas evangélicas com minhas
vizinhas que, então já tinham se voltado para igrejas neo-pentecostais e
não usavam mais saiões! heheh Eu gostava especialmente dos louvores,
mas nunca me aprofundei, nem tomei por hábito o ‘ir a Igreja’.
Até que aos 19 anos eu estava começando a ter os primeiros
indícios de depressão, por causa de um namoro frustrado e atribulado, a
falta de amigos verdadeiros, a vida de aparências e a indecisão sobre
que faculdade cursar. Então em um verão, meu irmão e sua esposa, que já
eram convertidos, me convidaram a ir a uma igreja evangélica na praia
onde passávamos as férias. Na primeira vez em que pus os pés naquela
pequena igreja já senti uma paz que eu não conseguia sentir em nenhum
outro lugar! Vi jovens louvando a Deus, ouvi palavras que me tocaram
profundamente e toda aquela atmosfera me pareceu ser a resposta e a
força de que eu precisava.
Passei a frequentar os cultos, me inscrevi para o Retiro de
Carnaval e comecei a congregar naquela denominação que tinha a igreja
matriz em minha cidade, Criciúma. Lá aceitei Jesus. O ano era 2000.
Demorei poucos meses para sair ‘de cima do muro’. Sempre fui uma
adolescente festeira, mas comecei a não me sentir mais tão bem nas
baladas (que, a propósito, ainda não eram chamadas de baladas! hehe).
Então me joguei de cabeça em retiros, vigílias, estudos bíblicos, grupos
de jovens, etc. Minha igreja estava começando a entrar no mover da
Igreja em Células no Modelos dos 12, então fui junto na onda:
seminários, células, congressos, Encontro, Escola de Líderes… Logo eu
estava liderando uma célula, envolvida na organização de retiros, me
tornei líder da Rede de Jovens, fui escolhida para ser uma das 12
discípulas da Pastora, enfim, não me neguei a trabalhar na obra! Durante
esse período comecei a cursar a faculdade de Jornalismo e aproveitei os
dons com a comunicação para editar um informativo de minha Igreja, com
testemunhos, entrevistas, notícias do meio cristão. Deixei realmente o
mundo de lado e me voltei para Deus. Mesmo fazendo faculdade, não
deixava de honrar meus compromissos com a Igreja. Sei que talvez eu
tenha me tornado um pouco legalista e perdido o foco em meio a tantas
atividades, mas também sei que as atividades davam frutos e que eu
realmente tinha amor pela obra e por Jesus. Porém, sabemos que o amor
pode esfriar e aí começam a vir as dúvidas… Foi o que aconteceu e após 4
anos e alguns meses eu deixei a Igreja e não olhei para trás. Por volta
de maio de 2005 eu já não fazia mais parte do rebanho.
Sabemos que você, por muito tempo, esteve afastada do
evangelho, inclusive escrevendo contestações a respeito da fé no famoso
blog Heresia Loira. O que a levou a se afastar do evangelho?
Basicamente o mesmo motivo que leva a maioria das pessoas a se
afastarem: dúvidas a cerca do que é pregado na Igreja e de
interpretações bíblicas, desgaste de relacionamentos com membros da
congregação e minha eterna briga com a noção de inferno. O fato de estar
no início dos meus 20 e poucos anos também pesou, pois eu me perguntava
de vez em quando se não estava perdendo a juventude e até mesmo
deixando alguns sonhos da adolescência para trás.
Depois de tantos anos afastada, como se deu seu reencontro com a fé?
Foi aos poucos. Costumo dizer que Deus ‘me perseguiu’. (hehe)
Primeiro fui perdendo a raiva e a crítica excessiva contra o Evangelho e
contra a fé. Espírito crítico é bom e saudável, lógico. Mas pode chegar
a um ponto em que passa a ser deboche, cinismo, ódio mesmo. Quando você
critica demais acaba perdendo a capacidade de enxergar o que é bom, não
só no objeto criticado, mas em você mesmo também! Isso é horrível, leva
a uma estagnação na vida. Então após me desfazer da militância contra a
religião, fiquei com a mente mais aberta para ouvir o que as pessoas
tinham a me dizer, pra aceitar uma palavra bíblica e até para receber
uma oração. E, como qualquer ser humano, eu sentia aquele vazio
existencial. Tentei procurar respostas e compreender minhas perguntas de
várias maneiras, até que ‘numa dessas’, num momento de desespero pensei
“Ah, não tenho nada a perder mesmo” e corri para uma igreja, sem pensar
se eu tinha fé ou não, se eu concordava com tudo que iria encontrar lá…
Apenas fui. Então meu desespero diminuiu e continuei frequentando a
igreja, fui a um retiro espiritual, comecei a ‘falar com Deus’, até que a
Graça me ‘pegou’ de novo e reencontrei minha fé.
Você voltou ao evangelho em um momento um pouco conturbado
devido a guerra entre famosos líderes, denuncias de escândalos e outros
problemas, mas ao mesmo tempo a força e o número dos “crentes” só vem
aumentando. Como você analisa esse momento dos evangélicos no Brasil?
Positivo ou negativo?
Não tenho base para falar sobre isso e, na verdade, neste
momento, nem me interessa. Sei que há líderes evangélicos misturando o
Evangelho com certas doutrinas e visões que deturpam as Palavras de
Jesus. Mas o que quero agora é olhar pra Deus e Nele encontrar o meu
caminho.
Dentre todas as coisas que fez como ateia, o que a traz mais arrependimento?
Ter criticado fortemente algumas pessoas que fizeram parte da
minha vida cristã e que sempre me apoiaram em minha caminhada com Deus.
De certa forma, espalhei um rastro de críticas nada construtivas, apenas
fruto de ressentimento. Claro que muitas das minhas críticas foram
válidas (as destinadas ao sistema e não às pessoas). Mas isso já está
superado, perdoado e não me resta mais nenhuma culpa pelos meus erros
provocados por aquela raiva infantil que eu sentia.
Muitas pessoas questionam se seria certo você manter no ar
suas publicações antigas no blog Heresia Loira já que muitas delas
falavam contra o cristianismo e a fé que hoje professa. O que você
pretende fazer com relação a isso?
Alguns posts do Heresia Loira eu já havia apagado, antes mesmo de
me “re-converter”, justamente por serem fruto da raiva que citei antes,
mas a maioria dos posts continua lá e, por enquanto, continuarão. Foi
uma fase que me fez chegar até aqui e talvez se eu não tivesse exposto
aqueles pensamentos eu não teria encontrado tantas pessoas que me
ajudaram a voltar para O Caminho.
Você tem vontade de ingressar em algum projeto relacionado à
religião, como um blog novo ou algum grupo na igreja, que pretende
participar agora que retornou ao evangelho?
Vontade eu tenho e várias ideias também, mas vamos dar tempo ao
tempo. Não quero correr e agir pela emoção. Há tempo para todas as
coisas. Estou no meu tempo de buscar e de mais calar do que falar.
Fonte: Gospel+